Especialistas apontam violação de soberania em nota de apoio dos EUA ao Rio

Analistas criticam comunicado dos EUA ao Rio e dizem que oferta de ajuda após operação policial é inadequada e fere a soberania brasileira

Analistas em relações internacionais e política latino-americana classificaram como “inadequada e incomum” a nota enviada pelo governo dos Estados Unidos à Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, na qual Washington oferece “qualquer apoio necessário” após a Operação Contenção, que deixou 121 mortos nos complexos do Alemão e da Penha. O comunicado, assinado por James Sparks, representante da Divisão Antidrogas dos EUA (DEA), expressa condolências pelas mortes de quatro policiais, mas, segundo especialistas, ultrapassa os limites da diplomacia formal.

O cientista político e professor Bruno Lima Rocha, da Unifin, comparou a situação à cooperação direta entre autoridades brasileiras e o FBI durante a Lava Jato, que, segundo ele, configurou ingerência estrangeira nos assuntos internos do país. “Durante a Guerra Fria, os EUA já praticavam esse tipo de cooperação policial pan-americana. É uma forma de paradiplomacia — quando governos subnacionais se comunicam, ignorando a diplomacia oficial”, afirmou.

Na mesma linha, o professor Raphael Lana Seabra, do Departamento de Estudos Latino-Americanos da UnB, avaliou que a manifestação dos EUA fere princípios de soberania nacional. “Não cabe a outro país oferecer ajuda direta a um estado brasileiro. Eles têm seus próprios problemas com drogas e violência, e ninguém interfere quando algo semelhante acontece nos EUA”, destacou.

Os especialistas alertam que esse tipo de gesto pode abrir precedentes perigosos, permitindo que forças estrangeiras mantenham laços diretos com autoridades locais, à margem da atuação do Itamaraty e da Polícia Federal.

Narcoterrorismo e ingerência externa

Rocha e Seabra também criticaram a proposta de classificar facções criminosas brasileiras como organizações terroristas, medida defendida por setores da oposição. Para eles, a equiparação seria “uma distorção grave”, pois o terrorismo tem motivações políticas e ideológicas, enquanto o tráfico é um fenômeno de acumulação econômica.

Bruno Rocha lembrou ainda que a política dos EUA em relação à América Latina mantém traços da Guerra Fria, baseando-se na criação de inimigos externos e na justificativa de intervenções em nome do combate ao narcotráfico. Ele citou como exemplo a admissão recente do ex-presidente Donald Trump de ter autorizado operações secretas da CIA na Venezuela, sob o argumento de conter o tráfico.

Seabra acrescentou que essa postura se repete em outros países, como o México, cujo governo já se manifestou contra qualquer ação estrangeira em seu território. “Os EUA violam soberanias sob o pretexto de combater o narcotráfico. Isso precisa ser denunciado com firmeza”, afirmou.

Resposta brasileira

Para os especialistas, a postura adequada diante da nota norte-americana seria uma resposta institucional conjunta entre Itamaraty e Polícia Federal, reafirmando a soberania nacional. Rocha defendeu que o episódio sirva de alerta: “Governadores e autoridades locais que buscam interlocução direta com governos estrangeiros estão passando ao largo da diplomacia e podem ser enquadrados por violação de soberania e até traição à pátria”, afirmou.

Já Seabra defende que o enfrentamento ao crime organizado deve partir de soluções internas, atacando as fontes de financiamento das facções e não apenas a base da pirâmide. “Buscar ajuda externa não é o caminho. O problema é nosso e deve ser resolvido dentro do país”, concluiu.

*Com informações da Agência Brasil

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *